Notícias

Posicionamento do FNPETI sobre a naturalização do trabalho infantil na fala do presidente do Banco Central do Brasil

crédito de ilustração: Lucas Milagres
crédito de ilustração: Lucas Milagres

Brasil, 16 de fevereiro de 2023 - O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (FNPETI), instância democrática de discussão de propostas e soluções para o enfrentamento do trabalho infantil entre os diversos segmentos da sociedade, e que, há quase 30 anos tem papel preponderante na defesa e promoção dos direitos da infância e da adolescência, vê com grande preocupação a naturalização do trabalho infantil na fala proferida de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil (BACEN), em 13 de fevereiro de 2023, durante o programa Roda Viva, veiculado pela TV Cultura de São Paulo.

Durante a transmissão televisiva e digital, o representante da autarquia federal foi questionado sobre a função do BACEN de fomentar o pleno emprego, além do âmbito social em que a economia deve ser fortalecida. Nesse sentido, Campos Neto, coloca:

“(...)

Vamos olhar o que o PIX fez com as pessoas, o número de empresas pequenas que foram criadas por causa do Pix!

Outro dia, eu estava num restaurante, um garoto veio vender um produtinho. Eu fiquei até, na época, um pouco emocionado, porque eu vi que ele tava vendendo e eu não tinha dinheiro. E ele falou “é no Pix, vai no Pix”. E aí eu falei: “O Pix ajuda a sua vida?” E ele falou “O Pix mudou a minha vida!”.

Então, assim, a gente que tá no Banco Central, a gente, às vezes, não tem a percepção de como a gente consegue impactar a vida das pessoas na ponta. Então é muito importante essa agenda nossa social, ter uma agenda de sustentabilidade enorme com o Programa Verde que, inclusive, fomos premiados o segundo banco central mais verde do mundo, há dois anos atrás”.

 

É provável que o presidente do BCB tenha ficado “um pouco emocionado” pelas condições nas quais se encontrava “o garoto” que vendia “um produtinho”, e, por querer ajudar, mas não havendo dinheiro, resolveu tal angústia com um Pix. Inclusive, é possível inferir que se tratava de trabalho infantil pela ênfase emocional dada por Campos Neto. Contudo, o presidente do BACEN, naturalizou o trabalho infantil e que a vida pode mudar com um Pix.

O trecho em negrito acima faz alusão ao trabalho infantil no comércio de produtos em áreas urbanas por um garoto.

Garotos são adolescentes e conforme a Lei No. 8069/ 1990, comumente conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu art.2º., “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

No Brasil, a idade mínima para o trabalho é 16 anos, desde que protegido, isto é, não podendo ser realizado em condições insalubres, perigosas, em horário noturno ou em condições que possam afetar o seu desenvolvimento biopsicossocial ou que impeçam e/ ou dificultem a frequência escolar. Antes disso, adolescentes só podem trabalhar na condição de aprendizes a partir dos 14 anos. Pelos Art. 60 e Art. 61 do ECA, “É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade” e, “A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei”, respectivamente.

Além disso, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – Decreto Lei No.5452/ 1943, entre seus Art. 402 a Art. 428, estabelece as regras e condições de atuação profissional de adolescentes com idades entre 14 e 17 anos no país. A Lei No. 10097/2000 – Lei do Aprendiz – e o Decreto Federal No. 9579/2018 também firmam proteção à e ao adolescente trabalhador.

Na perspectiva do cuidado e de acordo com a lista TIP (Decreto No. 6481/ 2008), o trabalho desempenhado por crianças e adolescentes em avenidas, ruas e espaços públicos por conta do comércio ambulante é uma das piores formas de trabalho infantil por conta dos riscos de atropelamento, acidentes de trânsito, exposição à violência, às drogas, ao assédio e violência sexual e ao tráfico de pessoas, além da exposição à radiação solar, à chuva, ao frio, à poeira e à poluição. Essa exposição aos riscos pode repercutir seriamente na saúde da criança e do adolescente devido a possíveis ferimentos, uso abusivo e problemático de drogas, traumatismos, enfermidades respiratórias e de pele, entre outras.

Em um contexto social de fome, insegurança alimentar, despejo e de imensa desigualdade social, com mais de 1.8 milhão de crianças e adolescentes envolvides no trabalho infantil (Pnad 2019), não é razoável pensar que o Pix mude a vida do garoto.

Na perspectiva do FNPETI, a inclusão social de um adolescente passa pela não naturalização do trabalho infantil, pela efetivação de seus direitos sociais e pela denúncia da violação de direito, de forma a assegurar que a rede de proteção e defesa possam implementar as políticas públicas nesta área.

Cabe salientar que, em uma economia sustentável, prerrogativa da Agenda 2030 da qual o Brasil objetiva a continuidade do processo de nacionalização das metas para os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que o enfrentamento ao trabalho infantil seja visto como prioridade, visto que a meta 8.7 aponta a erradicação do trabalho infantil e trabalho escravo até 2025.

Por fim, o FNPETI, em sua luta intransigente na defesa e promoção dos direitos da criança e do adolescente, continuará seu trabalho de sensibilização junto às e aos gestores e representantes de autarquias federais a fim de que tenham pleno conhecimento das violações de direitos para o enfrentamento conjunto do trabalho infantil em todo o país.

As denúncias sobre trabalho infantil podem ser feitas pelo Disque 100, pelo https://ipetrabalhoinfantil.trabalho.gov.br  e https://www.mpt.br.

  • Agenda 2030
  • Aprendizagem
  • Direito da criança e do adolescente
  • Estatuto da Criança e do Adolescente
  • Piores Formas de Trabalho Infantil
  • Trabalho Infantil